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Noites Alienígenas

Muitos Brasis em um

(Noites Alienígenas, BRA, 2022)
Nota  
  • Gênero: Drama
  • Direção: Sérgio de Carvalho
  • Roteiro: Sérgio de Carvalho, Camilo Cavalcanti, Rodolfo Minari
  • Elenco: Adanilo, Gabriel Knoxx, Gleici Damasceno, Chico Diaz, Joana Gatis, Chica Arara, Bimi Huni Kuin, Duace, Kika Sena
  • Duração: 90 minutos

É criminosamente incomum surgirem títulos oriundos do Norte do Brasil nas telas desse mesmo país. Não que faltem histórias para serem contadas, o que falta é oportunidade de colocar tais diretores e suas obras em lugar majoritário de discussão e difusão. Quando Noites Alienígenas toma de assalto o Festival de Gramado deste ano, temos a certeza que um tempo novo está chegando – que se mantenha. Sem qualquer pedido de favor, o que encaramos é uma produção surpreendente em todos os sentidos, mas o principal dele é não se comunicar apenas com seu entrecho; o que temos em cena é um monte de Brasil misturado, dando volta na direção do nosso olhar. Quando cismamos de capturar qualquer um desses muitos Brasis, passa um novo pela sua frente. 

Sérgio de Carvalho é um cineasta de carreira jovem, que escreveu o livro no qual se baseia livremente o filme que é projetado. Em ambas obras, até existe um ponto de partida no Acre importante para seu entendimento geográfico e emocional, mas logo vemos em cada detalhe um pequeno pedaço de um país em convulsão constante. Essa inquietação social não está sozinha, porque atrelada a questões de ordem pública e geracional acabam promovendo esse imenso barril prestes a explodir. Ainda que o espaço físico onde se situa Noites Alienígenas seja crucial para entender parte desse tremor cultural, a verdade é que isso está espalhado pela juventude do país inteiro. Essa falta de espaço, essa diminuição de sua capacidade cultural, essa desavença com suas origens, é coletiva e generalizada.

Noites Alienígenas
Cortesia Mostra SP

No meio do balaio que é proposto por Carvalho, cabem muitos recortes do Brasil. Do país onde a periferia ouve rap e pratica batalha do ritmo, até o lugar onde o protestantismo segue crescente; do Brasil indígena que destrói o passado e o futuro dos nossos originários, até o lugar onde a juventude perde a vida para a violência urbana. Noites Alienígenas, com seu roteiro escrito por Carvalho, Camilo Cavalcanti e Rodolfo Minari, conseguem um resultado quase milagroso ao amalgamar tudo que foi descrito acima e muito mais. O milagre não é apenas na união disso tudo, mas na qualidade da execução do todo, que não expõe qualquer errata na tarefa. O resultado é orgânico de maneira quase assustadora, porque há a consciência do excesso, que pode deflagrar um desastre a qualquer momento. 

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Graças ao talento coletivo e ao trabalho que não é invisível – o acaso não existe no cinema, deixando claro – não acontecem atropelos narrativos em Noites Alienígenas, muito menos ausências ou correrias. São elementos demais para qualquer produção, mas que aqui soam como uma espécie de microcosmos rápido de um país carente de oportunidades, de sonhos e de reconhecimento. É um lugar que permite que um rapaz como Paulo afunde até as mais profundas distâncias em busca de um espaço que sempre lhe foi negado, mas que também abriga as oportunidades que surgem para Sandra, e que deixam Rivelino em uma encruzilhada – entrar ou sair? Ao redor dos três protagonistas, o filme alicerça uma teia de acontecimentos que revelam um tanto de risco e outro de descoberta. 

Noites Alienígenas
Cortesia Mostra SP

Como o título já garante, Noites Alienígenas não demora para se revelar também motivador de um realismo fantástico que atravessa a História, indo dos indígenas e seus mitos até a modernidade esotérica escondida na crença da vida extraterrestre. Paulo é o representante dessa juventude que encontrou nas drogas uma saída frente à adversidade provocada pela ausência de referências. Em sua lisergia, o rapaz vê uma cobra prestes a atacá-lo, abrindo espaço em cena para a entrada desse elemento extraordinário, que varre o filme até seu desfecho. É mais um pedaço de um país que mata negros, mulheres, indígenas, periféricos e nenhuma política pública consegue alterar o resultado, gerando filmes como esse na sua urgência e quentura. 

Com um corpo de elenco impressionante, os novatos Gabriel Knoxx, Adalino e Gleici Damasceno (ela mesma, campeã do BBB) estão em lugares que nos permite observar o nascimento de cada um desses talentos com clareza. O veterano Chico Diaz está em um dos seus momentos mais inspirados e verdadeiros, com uma vibração que sabemos que ele é capaz de entregar, mas que já não o fazia há algum tempo. São os elementos que faltavam para compreender esse lado profundo do Brasil que clama por socorro diariamente pela falta de oportunidades e pelo descaso do Estado. Quando Jessé entoa seu clássico e sentimos a dor de Joana Gatis, é quando nos situamos a respeito da solidão pelo qual todos se veem representados. 

Um grande momento
Rivelino, Paulo e Alê em conflito

[46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo]

Francisco Carbone

Jornalista, crítico de cinema por acaso, amante da sala escura por opção; um cara que não consegue se decidir entre Limite e "Os Saltimbancos Trapalhões", entre Sharon Stone e Marisa Paredes... porque escolheu o Cinema.
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